Crucificaram o Pai

No terceiro século da era cristã surgiu no seio da Igreja uma doutrina herética que confundia as pessoas da unidade divina, declarando existir um único Deus, o qual se manifestara de três modos ou aparências.
De acordo com essa doutrina, Deus, por ser uma única entidade, não separada em três pessoas, primeiramente se manifestou como o Pai ou o Criador.
Por ocasião da encarnação, tornou-se o Filho e voltou como o Consolador, Santificador e Mestre da Igreja.
Partindo dessa visão, Práxeas desenvolveu a doutrina herética de que o Pai sofreu a crucificação, ou seja, o que aconteceu com o Jesus terreno, transferiu-se ao Pai celeste. Está em pauta a doutrina do sofrimento de Deus Pai.
Essa monstruosa doutrina, que põe em foco o sofrimento de Deus Pai, foi definida por Cipriano como patripassionismo, uma referência à doutrina do monarquianismo modalista, a qual declarava que os sofrimentos remidores de Jesus Cristo envolveram os sofrimentos de Deus Pai, visto que Jesus Cristo era o Pai sofredor. Assim acreditavam que o Pai e o Filho, em diferentes modos e atos, eram a mesma pessoa.
Noeto de Smirna e Práxeas foram os grandes expositores desta heresia. Práxeas chegou a declarar: o Pai nasceu e o Pai sofreu. Os modalistas confundiam as pessoas da Trindade e negavam a união da natureza divina com a natureza humana na pessoa do Senhor Jesus.
Patripassionismo é uma expressão oriunda do latim, pater – pai e patior – sofrer.
Basicamente, os textos bíblicos utilizados pelos grupos que defendem a idéia de que Jesus Cristo é o Pai e o Espírito Santo ao mesmo tempo são:
“Eu e o Pai somos um”(Jo 10.30).
“Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai: e como dizes tu: Mostra-nos o Pai?” (Jo 14.9).
“E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” ( Jo 20.22).
“Ora, o Senhor é Espírito: e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Co 3.17).
Análise dos versículos citados
— “Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30).
Neste versículo vemos a pluralidade na unidade. Basta observar a expressão “somos”, pluralidade; “um”, unidade. Jesus não está dizendo que é a mesma pessoa do Pai, mas que Ele e o Pai são duas pessoas distintas, em unidade divina.
Portanto, João 10.30 deve ser entendido como uma declaração de Jesus acerca da sua essência divina.
— “Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco e não me tendes conhecido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai: e como dizei tu: Mostra-nos o Pai?” (Jo 14.9).
Encontramos aqui uma reiteração da mesma substância da declaração do versículo 7 deste capítulo: “Se vós me conhecêsseis a mim, também conheceríeis a meu Pai: e já desde agora o conheceis, e o tendes visto”.
Ver o Pai não consiste em contemplar meramente a Sua presença corporal, mas em conhecê-Lo. Fica subentendido que não ver o Pai, na pessoa de Jesus, é o mesmo que não conhecê-Lo.
O Filho é o único expositor do Pai aos homens (Mt 11.27; Jo 12.44-45; Cl 1.15; Hb 1.3; 1Tm 6.16).
— “E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20.22).
O Senhor Jesus faz aqui uma doação preliminar do Espírito Santo, que era o símbolo da promessa e a garantia de que seria concretizada a vinda do Espírito Santo quando o Senhor Jesus fosse glorificado (Jo 7.39).
Essa vinda, em Seu total poder, não poderia anteceder de forma alguma a ascensão de Jesus e a Sua glorificação (Jo 16.7). O Senhor Jesus, porém, quis mostrar que essa pessoa divina viria (Jo 14.16-26). Por isso. demonstrou aos Seus discípulos um símbolo do poder que haveriam de receber posteriormente em plena medida (At 2).
— “Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Co 3.17). Neste versículo, a expressão “Senhor” se refere a Cristo, identificando o Espírito Santo com natureza divina de Jesus. Não que Ele seja a mesma pessoa. Basta observar que, no versículo seguinte, o apóstolo separa as pessoas: “Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” ( 2Co 3.18 ).
Algumas provas bíblicas de que Jesus não é o Pai:
— “Estando Jesus na terra, o Pai estava no céu: Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5.16). “Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus” ( Mt 5.48 );
— Jesus disse que confessaria diante do Pai os homens que o confessassem: “Portanto, qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus. Mas qualquer que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante de meu Pai, que está nos céus” (Mt 10.32-33);
— “O Senhor Jesus Cristo está hoje à direita do Pai: E, ouvindo isto, enfureciam-se em seus corações, e rangiam os dentes contra ele. Mas ele, estando cheio do Espírito Santo, fixando os olhos no céu, viu a glória de Deus, e Jesus, que estava à direita de Deus; E disse: Eis que vejo os céus abertos, e o Filho do homem, que está em pé á mão direita de Deus” (At 7.54-56);
— Deus Pai é Pai de Jesus. Jesus não é Pai de Si mesmo: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” (Ef 1.3). “Graça, misericórdia e paz, da parte de Deus Pai e da do Senhor Jesus Cristo, o Filho do Pai, seja convosco na verdade e amor” (2Jo 3);
— Jesus entregou o seu espírito a seu Pai e não a si mesmo: “E, clamando Jesus com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E, havendo dito isto, expirou” (Lc 23.46);
— Jesus conhecia o Pai, mas não era o Pai: Assim como o Pai me conhece a mim, também eu conheço o Pai, e dou a minha vida pelas ovelhas (Jo 10.15);
— Jesus cita a Lei sobre o testemunho de dois homens e faz anologia entre Ele e o Pai, como duas testemunhas: “E na vossa lei está também escrito que o testemunho de dois homens é verdadeiro. Eu sou o que testifico de mim mesmo, e de mim testifica também o Pai que me enviou” ( Jo 8.17-18 ).
Algumas provas bíblicas de que o Espírito Santo não é Jesus:
— O Espírito Santo é um outro Consolador, procedente do Pai e do Filho: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre (Jo 14.16). Mas quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele Espírito de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim” (Jo 15.26);
— Poderá haver perdão para a blasfêmia contra o Filho, mas a pessoa que blasfemar contra o Espírito Santo não será perdoada: “Portanto, eu vos digo: Todo o pecado e blasfêmia se perdoará aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos homens. E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro” (Mt 12.31-32);
— O Espírito Santo não veio falar de Si mesmo ou glorificar a Si mesmo, mas, sim, para glorificar a Jesus: “Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar (Jo 16.13-14);
— A descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes foi a prova de que Jesus havia chegado ao céu, onde assentou-se à direita de Deus Pai: “E isto disse ele do Espírito que haviam de receber os que nele cressem; porque o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda Jesus não ter sido glorificado (Jo 7.39).
De sorte que, exaltado pela destra de Deus, e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora ve-des e ouvis (At2.33);
— Jesus afirmou, mesmo depois da ressurreição, que Ele não era espírito. Portanto, ele não podia ser nem o Pai (Jo 4.24) e nem o Espírito Santo (Jo 14.16-17,26; 15.26; 16.7.15). “Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lc 24.39);
— Distinção muito clara é feita entre as três Pessoas da Trindade: “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19). A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo seja com todos vós. Amém (2Co 13.14).
Fonte: Revista Defesa da Fé – nº 26- ano 2000